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Depressão na Infância: Erram as pessoas que acreditam que crianças não ficam deprimidas

Por Imprensa (terça-feira, 15/09/2015)
Atualizado em 15 de setembro de 2015

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Estão enganadas as pessoas que dizem: “crianças não ficam deprimidas porque não têm problemas”. E quem disse que precisa ter problemas para ter depressão? Problemas podem proporcionar tristeza, ansiedade, angústia, mas depressão é outra coisa. É claro que as vivências podem agravar ou desencadear estados de humor problemáticos, entretanto. depressão não é uma resposta imediata e automática das vivências. Trata-se de uma doença, um transtorno afetivo, um desarranjo cerebral funcional com sólida base bioquímica (conheça Depressão).

Além de existir depressão em crianças, geralmente ela se manifesta com um quadro atípico nesta faixa etária. A criança comumente não tem recursos comunicativos para externar sentimentos típicos de angústia, de desesperança ou mesmo de reconhecer a autoestima baixa. Mesmo sentindo um vazio dentro de si, um medo indefinido, insegurança, perda de prazer com as coisas, perspectivas futuras sombrias, a criança, dependendo da idade, não consegue ter consciência clara e definida desses sentimentos e muito menos consegue externá-los adequadamente. Por isso, na criança a depressão tem quadro clínico completamente diferente do adulto.

O Transtorno Depressivo Infantil é um quadro sério e capaz de comprometer o desempenho, o desenvolvimento e a maturidade psicossocial da criança. A maior dificuldade no diagnóstico e tratamento da depressão infantil é a descrença em sua existência ou a tentativa de minimizar o problema por parte de familiares. A negação da depressão infantil é fortemente influenciada pelo excesso de psicologismo dos autores que atribuíam à depressão uma origem exclusivamente vivencial, juntamente com o pouco conhecimento dos fatores biológicos das depressões.

Mas, o empenho em minimizar ou negar o problema não foi suficiente para fazer desaparecer a depressão infantil da realidade clínica. Ela existe de verdade e continua fazendo vítimas na mesma proporção em que profissionais que lidam com crianças, pais e, principalmente avós, teimam em achar que criança não fica deprimida.

Outro fator que compromete o entendimento da depressão infantil é a grande diferença entre seus sintomas e os sintomas da depressão do adulto. Enquanto o adulto deprimido consegue falar sobre seus sentimentos, deixando clara a tonalidade depressiva de seu afeto e, consequentemente, de seus sintomas depressivos, a criança não consegue ter consciência de sua depressão, a qual só pode ser indiretamente suspeitada através de alguma atitude ou comportamento característico. Nissen, desde 1983 relacionava os principais comportamentos que caracterizavam a depressão infantil. Eram eles:

1 – Humor instável,
2 – Autodepreciação,
3 – Agressividade ou irritação,
4 – Distúrbios do sono,
5 – Queda no desempenho escolar,
6 – Diminuição da socialização,
7 – Modificação de atitudes em relação à escola,
8 – Perda da energia habitual, do apetite e/ou do peso.

Não há necessidade de satisfazer toda lista de comportamentos de Nissen para o diagnóstico da depressão infantil, assim como, existem outros tantos comportamentos relacionados ao transtornos afetivos e que não estão listados. Na criança e no adolescente a forma atípica desse transtorno afetivo esconde os verdadeiros sentimentos depressivos sob uma máscara de medo, e/ou irritabilidade, e/ou agressividade, hiperatividade, retraimento, rebeldia. As crianças mais novas, devido a incapacidade para comunicar verbalmente seu verdadeiro estado emocional, manifestam a depressão de forma mais atípica ainda, notadamente com hiperatividade.

Apesar da maioria das crianças com depressão manifestar sintomatologia atípica, algumas delas também podem apresentar sintomas clássicos, tais como tristeza, ansiedade, expectativa pessimista, mudanças do hábito alimentar e do sono, ou ainda problemas físicos, tais como dores inespecíficas, fraqueza, tonturas, mal estar geral, enfim, queixas que não respondem ao tratamento médico habitual.

Apesar da tamanha importância da Depressão da Infância e Adolescência em relação à qualidade da vida emocional, desempenho escolar, ajuste interpessoal, desenvolvimento da personalidade e tantas outras áreas da atividade humana, esse quadro não tem sido devidamente valorizado por familiares e pediatras e nem adequadamente diagnosticado (Veja Depressão na Adolescência).

A depressão na criança ou no adolescente pode ser inicialmente percebida como perda de interesse pelas atividades habitualmente interessantes, tal como uma espécie de aborrecimento constante diante dos jogos, brincadeiras, esportes, sair com os amigos, escola, etc. Além dessa apatia, preguiça e redução significativa da atividade, às vezes pode haver tristeza, mas essa não é a regra geral.

De forma complementar aparecem sintomas significativos, como por exemplo, diminuição da atenção e da concentração, perda da confiança em si mesmo, sentimentos de inferioridade, baixa autoestima, ideias de culpa e inutilidade, tendência ao pessimismo, transtornos do sono e da alimentação e, dependendo da gravidade do quadro, até ideação suicida.

Do ponto de vista biológico, a depressão é encarada como uma possível disfunção dos neurotransmissores e neuroreceptores, com fortes evidências de fatores genéticos. Antigamente classificava-se esse tipo de depressão como sendo endógena, ou seja, de natureza constitucional. Embora as classificações atuais não utilizem mais esses termos, o conceito de Depressão Endógena permanece verdadeiro e esse é o tipo de depressão que afeta as crianças com mais frequência.

Além desse tipo endógeno de depressão, existe também aquela de natureza psicológica, associada às vivências e aspectos psicodinâmicos da personalidade. Na perspectiva social a depressão pode representar uma desadaptação, geralmente consequência de alteração dos mecanismos culturais, familiares, escolares, etc. Nesse caso as variáveis psicológicas e sociais caracterizam um tipo de depressão anteriormente chamada de Depressão Exógena, ou seja, a depressão que representa uma reação psicológica a questões existenciais.

Incidência
O reconhecimento do quadro depressivo infantil e da adolescência como transtorno capaz de afetar pessoas dessa faixa etária foi reivindicada pelo IV Congresso da União de Psiquiatras da Infância Europeus realizado em Estocolmo em 1971 (Annell, 1972). Isso resultou na elaboração de critérios de diagnóstico para o denominando Transtorno Depressivo da Infância e Adolescência .

Os dados de prevalência do Transtorno Depressivo na Infância e Adolescência não são unânimes entre os pesquisadores, pois os métodos de pesquisa e de avaliação são bastante variados, assim como é grande a diversidade dos locais onde os estudos são realizados e das populações observadas.

Estudos norte-americanos revelam incidência de depressão em 0,9% das crianças pré-escolares, em 1,9% nas escolares e 4,7% em adolescentes (Kashani, 1988 e Weller, 1991). Mas esses números são muitíssimos otimistas, notadamente em nosso meio. Ainda, conforme constatou Rutter em 1986, os quadros depressivos são muito mais frequentes na adolescência do que na infância.

Em 1995, Goodyar mostra uma prevalência do Transtorno Depressivo na Infância e Adolescência entre o 1,8% e 8,9%. Esses números são compatíveis com pesquisas mais recentes. Jose Luis Pedreira Massa (2003) assinala que na Espanha a média de transtornos depressivos na população infantil menor de 12 anos pode situar-se em torno de 9%, sendo algo superior na adolescência.

Sintomas
A Depressão Infantil não se traduz, invariavelmente, por tristeza e outros sintomas típicos dos adultos, como foi dito acima. É muito importante saber que existem momentos nos quais as crianças podem estar tristes, irritadas ou aborrecidas em resposta a vivências cotidianas e circunstanciais. Essas manifestações emocionais nada têm a ver com depressão, pois são fisiológicas, fugazes e passageiras. Entretanto, pode-se suspeitar de algum componente depressivo quando as manifestações de aborrecimento, birra, irritação, inquietação ou outros rompantes são constantes e frequentes, quase caracterizando uma maneira dessa criança ser e reagir.

Nas crianças e adolescentes é comum a depressão ser acompanhada também de sintomas físicos, tais como fadiga, perda de apetite, diminuição da atividade, queixas inespecíficas, como cefaleia, lombalgia, dor nas pernas, náuseas, vômitos, cólicas intestinais, vista escura, tonturas, etc. A Depressão na Infância e Adolescência costuma se manifestar ainda por insônia, choro, baixa concentração, irritabilidade, rebeldia, tiques, medos, lentidão psicomotora, problemas de memória, desesperança, ideações e tentativas de suicídio. A tristeza pode ou não estar presente.

Na esfera do comportamento, a Depressão na Infância e Adolescência pode causar deterioração nas relações interpessoais, familiares e sociais, perda de interesse por pessoas e isolamento. As alterações cognitivas da Depressão Infantil, principalmente relacionadas à atenção, raciocínio e memória interferem sobremaneira no rendimento escolar.

A expressão clínica da depressão na infância e adolescência é bastante variável entre os pacientes e também em função das diversas faixas etárias, dos diversos ambientes socioculturais, estruturas familiares. Baseando-se nas tabelas para diagnóstico, revistas por José Carlos Martins, podemos compor a seguinte listagem de critérios:

SINAIS E SINTOMAS SUGESTIVOS DE DEPRESSÃO INFANTIL
1- Mudanças de humor significativa
2- Diminuição da atividade e do interesse
3- Queda no rendimento escolar, perda da atenção
4- Distúrbios do sono
5- Aparecimento de condutas agressivas
6- Autodepreciação
7- Perda de energia física e mental
8- Queixas somáticas
9- Fobia escolar
10- Perda ou aumento de peso
11- Cansaço matinal
12- Aumento da sensibilidade (irritação ou choro fácil)
13- Negativismo e Pessimismo
14- Sentimento de rejeição
15- Ideias mórbidas sobre a vida
16- Enurese e encoprese (urina ou defeca na cama)
17- Condutas antissociais e destrutivas
18- Ansiedade e hipocondria

Evidentemente, como em todos manuais de diagnóstico, não é obrigatório completar todos os critérios da lista acima para se diagnosticar a depressão infantil. Para sugerir a necessidade de atenção especial a criança deve satisfazer um número suficiente desses itens.

Dependendo da intensidade da depressão, pode haver substancial desinteresse pelas atividades rotineiras, queda no rendimento escolar, diminuição da atenção e hipersensibilidade emocional. Surgem ainda preocupações típicas de adultos e que não fazem parte das preocupações próprias dessa faixa etária, tais como, a respeito da economia doméstica, saúde, emprego e estabilidade dos pais, medo da separação, da morte e grande ansiedade.

Hoje em dia já se pode pensar se algumas patologias bem definidas da infância, como é o caso, por exemplo, do Déficit de Atenção por Hiperatividade, ou alguns casos de Distúrbios de Conduta, Ansiedade de Separação na Infância, entre outros, não seriam também formas atípicas de depressões na infância. A favor de tal ideia está o fato desses quadros responderem muito bem ao uso de antidepressivos.

Suspeita de Diagnóstico
O exame psíquico da criança nem sempre mostra os sentimentos e emoções claramente leais ao verdadeiro estado emocional interno. Um esforço de bom senso e perspicácia deve ser dedicado ao exame clínico, aumentando assim a possibilidade da criança menor ter seus sentimentos compreendidos. Em muitos casos, o único item a chamar atenção é uma maior sensibilidade emocional, choro fácil, inquietação, rebeldia e irritabilidade.

As mudanças de comportamento na criança são de extrema importância, tão mais importantes quanto mais súbitas essas mudanças tiverem aparecido. Assim, diante da depressão, crianças antes bem adaptadas socialmente passam a apresentar condutas irritáveis, destrutivas, agressivas, com a violação de regras sociais anteriormente aceitas, oposição à autoridade, preocupações e questionamentos de adultos. Essas mudanças no comportamento podem ser decorrentes do desenvolvimento da depressão.

Tendo em vista a importância das mudanças de comportamento infantil, pais e professores devem ficar atentos para acontecimentos que chamam atenção, que sejam incomuns se comparadas estatisticamente à maioria das crianças na mesma situação etária e sociocultural.

Os sintomas iniciais de possível depressão na criança em idade escolar podem incluir, por exemplo, uma redução significativa do interesse e da atenção. Em não se tratando de uma depressão biológica ou com importante componente hereditário, algumas causas ambientais podem ser capazes de comprometer o interesse e a atenção da criança, como por exemplo, os problemas domésticos, bem como as dificuldades na adaptação ao ambiente escolar que acontecem em mudanças de escola.

O baixo rendimento escolar e as dificuldades de aprendizagem também estão presentes nos quadros depressivos da infância, seja da depressão biológica, seja das reações depressivas aos problemas vivenciais. Declínio no rendimento escolar, particularmente acompanhado de desinteresse geral, pode ser reflexo de ambiente escolar estressante por conta de colegas ou professores. A falta de empatia com professores, eventuais situações vexatórias diante dos colegas ou bullying podem resultar em severo desinteresse (Veja Dificuldades de aprendizagem).

O sintoma de desinteresse proporcionado pela depressão é de origem emocional, é a perda do prazer ou gosto em fazer as coisas e acaba resultando em abandono de atividades antes prazerosas. A criança com tal desinteresse torna-se mais retraída, apática e isolada. O sintoma de desânimo, por sua vez, é físico, e surge como uma perda da energia global, geralmente confundida com preguiça e responsável até por exames de sangue em busca de uma anemia que não se confirma.

Na depressão infantil podem existir explosões emocionais desproporcionais aos estímulos, bem como rebeldia, birra, implicância, atitudes de oposição. Entretanto, é muito importante determinar se esses sintomas estão, de fato, relacionados com um quadro depressivo ou se são parte das erupções emocionais normais do desenvolvimento infantil.

Para se estabelecer o diagnóstico de depressão na criança é necessário avaliar sua situação familiar, existencial, o nível de maturidade emocional e, principalmente, a autoestima. Além das entrevistas com a criança, é importante observar sua conduta segundo informações dos pais, professores e outros colegas médicos ou psicólogos, atribuindo pesos adequados a cada uma dessas informações.

Disforia e Depressão
Uma variação afetiva menos grave que a depressão, mas que também pode necessitar cuidados especiais, é a chamada Disforia. A Disforia é uma oscilação do humor comum e cotidiana sem o mesmo peso da doença depressiva franca. Trata-se de respostas afetivas bastante expressivas aos eventos diários e, embora sejam emocionalmente exuberantes, tais reações são breves e não comprometem significativamente a adaptação social, escolar e familiar. Se a preferência é chamar as crianças disfóricas de crianças sensíveis ou exageradamente sentimentais não tem problema, mas o conceito de Disforia deve ser lembrado para não evoluir para a Distimia dos adultos (Veja o que é Distimia na página Depressão: Tipos).

Na realidade, a Disforia é um sentimento de tristeza, angústia e abatimento emocional desproporcional que pode surgir sem motivo aparente ou em decorrência dos problemas existenciais normais e cotidianos, tais como as correções dos pais, desentendimentos com irmãos, aborrecimentos na escola, frustrações variadas, etc. A diferença entre Disforia e Depressão é em relação à evolução benigna da Disforia, o que nem sempre acontece no quadro depressivo.
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Comparativamente, existe maior dificuldade adaptativa da criança disfórica na lida com as exigências da vida, como por exemplo, diante das mudanças, seja de escola, de babá, de cama, de quarto, ou diante da chegada de um irmãozinho, ou quando há necessidade de esperar (alguma coisa)… A recuperação das vivências estressantes do cotidiano é mais demorada na criança com Disforia do que na criança normal, mas, apesar dessas pequenas dificuldades, a Disforia não tem nunca o mesmo grau de gravidade da depressão franca.

Evolução dos sintomas com a idade
Antes da fala, ou seja, na fase pré-verbal é possível suspeitar do humor (ou afeto) rebaixado através de expressões mímicas e do comportamento da criança. A inquietação, o retraimento social, choro frequente, recusa alimentar, apatia e alterações do sono podem ser indícios de humor deprimido nesta fase.

Na fase pré-escolar as crianças podem somatizar o transtorno afetivo, manifestando dor abdominal, alteração do apetite, falta do ganho de peso, retardo no desenvolvimento físico esperado para a idade, fisionomia triste, irritabilidade, hiperatividade e medo inespecífico.

Dos 2-3 anos até a fase escolar, algumas vezes a Depressão Infantil pode se manifestar com quadro de Ansiedade de Separação na Infância, onde existe sólida aderência da criança à figura de maior contacto (normalmente a mãe), ou até sinais sugestivos de regressão psicoemocional, como a fala mais atrasada, encoprese (evacuar na roupa) e enurese (xixi na roupa).

Na fase escolar, o cansaço, a dificuldade de concentração, alterações da memória e astenia são as complicações da Depressão Infantil que mais interferem no rendimento escolar e aprendizagem (veja Dificuldades de Aprendizagem). Isso gera fracassos e a confrontação continuada com fracassos acaba proporcionando autoestima muito baixa, podendo levar a criança a apresentar sentimentos de inferioridade, isolamento social e até mesmo problemas de conduta.

Os quadros que se apresentam como Fobia Escolar e caracterizados pela evitação da escola, ou que apresentam dores inespecíficas, febre sem causa aparente e outros sintomas obscuros que sugerem propósito de evitar a escola, podem ser entendidos como somatização consequente à ansiedade e depressão.

Deve-se avaliar a presença de baixa autoestima, perda de prazer e, muitas vezes, até ideação suicida durante a fase escolar. Podem ser encontradas também, nesses casos, expectativas negativas e pessimistas da vida, mas, como a criança tem dificuldades para expressar questões existenciais ou de seu mundo, essa investigação tem sido muito difícil.

Os sintomas físicos e somatizados também podem ocorrer na criança depressiva. Cerca de 30% dos pacientes deprimidos apresenta diminuição de apetite e 30% refere aumento, principalmente nas meninas. Há também alterações do sono com insônia inicial (dificuldade para começar a dormir) presente em 60% dos casos e, um pouco menos frequente, a clássica insônia terminal, que é caracterizada pelo despertar muito cedo.

Transtorno da Afetividade na infância precoce
Durante muitos anos a depressão infantil adolescência não foi devidamente considerada ou, quando muito, esperava-se encontrar nas crianças a mesma sintomatologia do adulto deprimido. Critérios mais adequados de diagnóstico, juntamente com a eficácia incontestável dos tratamentos, com notável melhora na qualidade de vida emocional e no desempenho dessas crianças, conscientizaram os profissionais envolvidos na área da existência desse quadro.

Para essas alterações afetivas possíveis na primeira infância a Organização Mundial de Saúde (OMS) elaborou uma série de critérios de observação. Foi um grande passo na descrição dos transtornos psicológicos nesta faixa etária, dividindo-os em duas categorias:

1. Reação de Abandono (ou de Dor e Aflição Prolongadas), que é específica das situações onde falta a figura materna ou de um cuidador afetivamente adequado, e;
2. Depressão na Infância Precoce.

Na primeira infância se detectam alterações depressivas quando o lactente é pouco comunicativo, confundido normalmente com um bebê muito bonzinho ou, por outro lado, quando a depressão se manifesta com irritabilidade, caracterizando bebês irritáveis, com tendência a hiperexcitabilidade, ou ainda, com retraimento social e aversão a estranhos, fazendo os bebês estranharem muito as mínimas mudanças em seu entorno.

Na faixa etária bastante precoce existe a questão do apego, que é um impulso primário e inato, parte de um processo de seleção natural onde a criança desenvolve um forte vínculo afetivo para com a figura de maior ligação afetiva, em geral a mãe. O apego é uma resposta de busca de proteção necessária à sobrevivência da espécie. O bebê afetivamente mais sensível pode ter dificuldades em relação ao apego e vice-versa, ou seja, problemas na oferta do vínculo afetivo podem ocasionar dificuldades afetivas futuras.

A afetividade normal se relaciona com um vínculo afetivo ou apego seguro e satisfatório, da lactância até três anos e meio (ou 6 anos segundo Bowlby), mas certos padrões inseguros de apego podem ocorrer quando existe alguma tendência depressiva. O padrão de apego desenvolvido desde tenra idade será uma das molas mestras para futuros sentimentos de conforto e segurança determinados pelas relações posteriores.

Quando os lactentes são separados bruscamente de sua figura de apego, como é o caso de uma hospitalização precoce, morte da mãe ou abandono, suas reações tendem a seguir um padrão semelhante ao processo de luto do adulto. Assim, em uma primeira fase da separação o lactente bruscamente apartado pode manifestar ira e desespero. Isso dura algum tempo.

Na segunda fase dessa separação a criança tende a ficar apática e quase imóvel. É a fase de desapego ou indiferença. Nessa etapa a criança não manifesta mais emoções diante do reencontro com a figura com a qual antes era apegada. Algumas mães que reencontram seus bebês depois de algum tempo de ausência percebem que eles se comportam como se nem a conhecessem. Essa experiência de perda não se relaciona com as necessidades de alimento, mas sim de calor, carinho ou contato.

Dois fatores têm especial importância nas características da separação: o temperamento da criança e as características pessoais da figura materna. Quanto mais sensível afetivamente for a criança, maiores os prejuízos futuros que a separação ou abandono proporcionarão. O estado de Dor e Aflição Prolongada pode se manifestar por qualquer etapa da sequência: protesto, desespero e desinteresse. Vejamos a sucessão de acontecimentos que podem ocorrer durante a separação ou abandono:

Inicialmente a criança chora, chama e busca ao genitor ausente, recusando quaisquer tentativas de consolo por outras pessoas. Em seguida há retraimento emocional que se manifesta por letargia, expressão facial de tristeza e falta de interesse nas atividades apropriadas para a idade.
Em um terceiro momento há desorganização dos horários de comer e dormir. Em seguida a criança manifesta regressão com perda de hábitos já adquiridos, como por exemplo, passa a fazer xixi e/ou coco na roupa (ou cama), falar como se fosse mais novo

Aí vem a fase de desinteresse paradoxal, o qual se manifesta por indiferença às recordações da figura de apego. Há aqui uma espécie de “ouvido seletivo” e a criança parece não reconhecer o nome ou a voz da figura de apego. Às vezes surge um comportamento alternativo ao desinteresse paradoxal, ou seja, algumas crianças podem mostrar-se exatamente ao contrário das características acima. Nesse caso elas se tornam extremamente sensíveis a qualquer recordação da figura de apego, podendo manifestar mal estar agudo diante de estímulos que lembrem a pessoa.

Tratamento
Ao se pensar no tratamento o passo mais importante é a certeza do diagnóstico. Depois de diagnosticada depressão infantil é necessário avaliar o grau da doença e sua origem. Nas crianças menores a probabilidade de existir forte componente orgânico é maior, principalmente se houver antecedentes familiares de transtorno afetivo. Nas crianças de idade escolar para frente a depressão pode ser também reativa, ou seja, desencadeada ou determinada por questões vivenciais.

As eventuais associações ou complicações do quadro depressivo, sejam causas ou consequências, devem ser avaliadas para eventuais abordagens por profissionais especializados, paralelamente ao tratamento médico-psiquiátrico (bullying, violência física, sexual, maus tratos, falhas educacionais, prejuízos acadêmicos, etc.).

O tratamento da criança deprimida deve ser iniciado o mais precoce possível, antecedido por avaliação do grau da depressão e possível definição do tipo e tempo do tratamento. Para as crianças mais novas, pré-escolares, se a depressão for mais leve recomenda-se a terapia cognitivo-comportamental, de preferência para paciente e família, ou o chamado treinamento de necessidades sociais, que é semelhante à terapia cognitivo-comportamental, porém, com grande enfoque em atividades abertas e desenvolvimento de habilidades específicas, além da psicoterapia com foco no relacionamento familiar.

Nos casos de depressão mais severa deve-se indicar um tratamento psicológico mais intensivo e muitas vezes medicamentoso. Nessa faixa etária precoce, em torno dos 6 anos, na vigência de complicações importantes, tais como recaída de crise depressiva anterior, anorexia, sintomas de TOC, ideação suicida, apatia, sintomas psicóticos de origem afetiva, entre outros, os medicamentos antidepressivos poderão ser imprescindíveis.

Os antidepressivos mais antigos, ou seja, os chamados tricíclicos (imipramina, clomipramina, maprotilina, amitriptina ou nortriptilina) são muito usados em crianças tendo em vista sua eficácia e a experiência clínica adquirida ao longo dos anos. Os antidepressivos mais modernos, chamados inibidores seletivos da recapturação da serotonina (ISRS), são aprovados nos Estados Unidos pelo Food and Drug Administration (FDA) para uso em crianças.

Os principais ISRS aprovados pelo FDA para tratamento da depressão infantil são a Fluoxetina, a Sertralina e o Escitalopram (Donnelly, 2006 – Thome-Souza, 2007). Outros antidepressivos, como por exemplo, a venlafaxina, embora bastante eficiente para o tratamento da depressão em adultos ainda é pouco pesquisada em crianças menores. Prefere-se o tratamento com a venlafaxina para jovens maiores de 15 anos.

Os pacientes devem ser continuamente avaliados e as doses sempre ajustadas conforme a necessidade e eventuais efeitos colaterais. Em média o tratamento medicamentoso para a depressão infantil se mantém por um tempo que varia entre um e três anos, dependendo sempre do curso e evolução do quadro.

 

Ballone GJ, Depressão Infantil, in. PsiqWeb, Internet, disponível em www.psiqweb.med.br, 2015.

 

 

Referências Bibliográficas
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